08.09.20

Paulo JB Leal

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E COISA JULGADA MATERIAL



 

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E COISA JULGADA MATERIAL

(sobre a possibilidade de execução da pena depois de julgado o

recurso de apelação)


 

Paulo JB Leal

Advogado e professor

Associado da ACRIERGS

Membro efetivo do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros

 

O processo penal tem um problema complexo para resolver. Ele precisa estabelecer critérios seguros para determinar o exato momento em que uma sentença transita em julgado. Não que isso seja difícil, ou que não haja acúmulo teórico suficiente para a resolução dessa questão, mas como esse exame acaba sempre sendo pautado por discussões relativas à natureza moral da ação humana, o debate que ele provoca não permite que sejam tratadas unicamente as questões relativas à lógica do processo penal.

Por isso, a escolha do título deste estudo. Conquanto haja fundadas razões para sustentar a ineficácia da pena no combate ao crime, ainda não foi anunciada a descoberta de outro meio que tenda a esse fim, e considerando que cabe ao direito penal pôr em ordem a racionalidade utilizada na determinação das matérias que compõem os fatos típicos e das situações subjetivas que colocam alguém na condição de imputável, estabelecer critérios seguros para que tão logo tenha sido estabelecida, em definitivo e com legitimidade, a responsabilidade penal de uma pessoa, dar início ao cumprimento da sanção é o meio mais adequado para a eficácia ao direito criminal.

Essa questão é muito relevante, pois sempre que alguém, com sua conduta, incide nas hipóteses descritas em fatos típicos do direito criminal[1], toda a sociedade humana é afetada em razão de tal comportamento colocar o processo civilizatório sob condição suspensiva até que sejam efetivadas as consequências estabelecidas apenas enquanto ameaça pelo direito penal.

Assim, ciente da imensa dificuldade que oferece a tarefa de escrutinar o ambiente de inteligência utilizado pelo jurista na busca de critérios seguros para permitir que sejam executadas as sentenças antes de encerrado o exame de todas as questões que dizem respeito ao processo penal, dá-se seguimento a este estudo na esperança de poder contribuir na qualificação do debate, mesmo sabendo que, no atual estágio de desenvolvimento das nossas instituições, além das dificuldades ínsitas dos sistemas processuais será preciso considerar, ainda, a existência de uma parcela, cada vez mais expressiva, de operadores jurídicos culturalmente toscos, eticamente desonestos e politicamente medievais.

a)      Direito e sistema jurídico

Conquanto direito e sistema jurídico pertençam ao universo das instituições produzidas pela razão humana para organizar a vida em sociedade, ambos tratam de temas que, para ser possível examiná-los em ordem, precisam ser distinguidos.

O âmbito do direito é mais amplo do que o das suas instituições. O direito é um modo peculiar de inteligência normativa do mundo da natureza, produzido pela razão humana durante o processo de transição do poder de fato, tribal e familiar para o poder político, racionalmente organizado e mediado por expressões linguísticas que descrevem fatos, ou atos humanos, seguidos de imputações.

Já o sistema jurídico é a parte desse universo que produz as instituições[2] e os meios utilizados pelo jurista para dar eficácia ao direito. Enquanto o direito faz parte da ciência, da racionalidade utilizada para ordenar o conhecimento do jurista, o sistema jurídico é o modo pelo qual o direito atua. O certo é que essa distinção evidencia a ciência que ordena a razão humana, diferenciando-a das instituições que o jurista utiliza para disciplinar as ações e as imputações jurídicas.

b)     Fato e ato no direito

Todo o evento natural tomado em consideração pela linguagem em uma proposição jurídica compõe um dado relevante que a ciência do direito atribui a particularidade de constituir-se, como tal, em fato jurídico. O fato jurídico, nesse sentido, é uma das partes do silogismo que o jurista faz uso para descrever eventos da natureza na fundamentação do sistema de imputação utilizado pelo direito.

Quando o fato jurídico prescinde de ação humana, ele é simples, mas, quando entra em consideração, na sua composição, o exame da volição de qualquer pessoa, ele ingressa na categoria de fato complexo e passa a pertencer a outro plano da juridicidade com uma qualidade especial: de constituir-se como ato jurídico[3].

Ato jurídico é, portanto, todo o fato que se insere no plano da fenomenologia jurídica quando a volição humana é tomada em consideração na composição de uma proposição linguística que seja parte do sistema de imputação utilizado pelo direito.

c)      Processo e ação humana

Processo é um complexo de atos ordenados no espaço e no tempo, com o propósito de produzir instituições e de coordenar ações tendentes à realização de objetivos relevantes para os seres humanos. Toda a ação, individual ou coletiva, que tenha um objetivo a cumprir, precisa ordenar os atos a serem executados com vistas a esse fim.

Quando a atividade do processo é de responsabilidade de uma única pessoa, a dinâmica dos atos tende a ser simples, mas quando ela exigir a participação de diferentes sujeitos, se não forem previamente definidas as habilidades exigidas de cada participante, os papéis que devem cumprir, a forma e a ordem dos atos no processo, ele tende ao anfigúrico e ao caos.

Vários são os enfoques possíveis para o processo. Do ponto de vista funcional, ele trata das qualidades objetivas e das aptidões subjetivas das pessoas que dele participam, estabelece a forma dos atos, dos procedimentos e das instituições processuais. Sob a perspectiva espacial, o processo disciplina as diferentes posições subjetivas de seus sujeitos e os locais onde as ações e os atos devam ser praticados. Do ponto de vista temporal, o processo trata dos momentos, das oportunidades e dos ônus relativos às ações e omissões dos que dele participam, de modo a permitir que seus procedimentos se desenvolvam, progressivamente, entre fases e momentos até que sejam reunidas, ao influxo dos objetivos a serem atingidos, as condições para que a tarefa a ser cumprida por meio dele possa ser dada por concluída.

d)     Processo judicial e razão

Se processo, em sentido lato, é método racional de organização de atos e ações com vistas a um determinado fim; no âmbito do sistema judicial, ele tem por escopo investir órgãos de poder com o propósito de promover a atuação do direito do Estado, cujo objetivo é julgar demandas e de resolver conflitos sociais.

O método a ser utilizado para submeter o processo à razão vem sendo desenvolvido ao longo do curso da história. Entre os diversos e importantes exames a respeito desse tema, destaca-se a contribuição de Oscar von Büllow[4] em seu conhecido estudo sobre exceções e pressupostos processuais. Foi com ele que  demonstrou a autonomia científica do processo em face das relações de direito material que servem de fundamento à ação processual. Também concluiu que o processo, ao seu proposto em juízo, constitui um complexo sistema autônomo de relacionamentos entre o autor, o juiz e o réu (“iudicium est actus trium personarum”, na conhecida expressão de Búlgaro) produzidos por vínculos jurídicos, tendentes à angularização[5], ligados pelo escopo da pretensão de obter uma sentença definitiva sobre a matéria veiculada na demanda judicial.

Esse estudo teve o mérito de pôr em evidência, e de forma muito clara, que as relações jurídicas estabelecidas entre os integrantes do processo são distintas e autônomas das relações jurídicas decorrentes dos fatos e dos atos que constituem objeto da pretensão das partes na demanda.

Esse método tem a virtude de diferenciar, no exame do processo, os requisitos que dizem respeito às partes e ao juiz dos que se referem aos procedimentos e à demanda, de modo a permitir que o Estado possa emitir provimentos a respeito do conflito que subjace da narrativa apresentada como fundamento da ação[6] somente depois de verificar a regularidade da própria investidura, a qualidade dos sujeitos da relação processual e dos procedimentos do processo.

É da perfeita separação do exame sobre a regularidade das relações que se estabelecem entre os sujeitos do processo, dos dados que compõem as diferentes narrativas utilizadas para o exame das pretensões e exceções, que se situa a questão fundamental de identificar e de delimitar em um pronunciamento do Estado, o que é possível de ser tomado como definitivo em um processo judicial.

e)      Processo e verdade processual

Sendo o processo um método de ordenação de atos e de ações que investe órgãos com poderes para resolver conflitos e promover a atuação do direito objetivo do Estado, pôr em evidência os fundamentos ideológicos e funcionais de legitimação do processo judicial é a mais importante tarefa a ser cumprida pelo processualista.

O processo judicial, além de constituir-se no instrumento de ações, de defesas e de exceções daqueles que demandam ou que são demandados em juízo, é também a instituição de ordenação das atividades dos juízes e dos tribunais[7]. É ele que estabelece as regras a serem observadas nos procedimentos; os casos em que deve haver declaração de impedimento e de suspeição dos julgadores; as condições a serem observadas para higidez do material produzido para fundamentar decisões judiciais; as oportunidades e os momentos a serem assegurados às partes em conflito a fim de garantir que o processo contenha as informações que são necessárias para o efetivo conhecimento das ações e defesas, entre outras questões relevantes para os procedimentos processuais.

Como complexo de atos, o processo é imaterial. A sua materialidade são apenas documentos, declarações das partes e das demais pessoas envolvidas na demanda. Também não há fatos no processo, apenas relatos escritos ou orais a respeito de fatos que são trazidos ao processo por meio de narrativas de pessoas.

Portanto, não é possível falar em verdade no processo judicial. A verdade será sempre o resultado daquilo que ficar assentado no espírito do juiz, ou dos membros do tribunal, a respeito dos dados tomados em consideração a partir de documentos, ou dos relatos feitos pelas diferentes pessoas, utilizados como justificativa para acolher ou para rejeitar pretensões, exceções e para justificar provimentos de expropriação de bens ou a aplicação de penas em relação às partes do processo.

f)       Matéria e forma nos julgamentos judiciais

O processo judicial tem início quando alguém, alegando encontrar-se em uma determinada posição, ou dizendo-se titular de direitos, dirige ao juiz uma manifestação formal na qual descreve relações entre pessoas e fatos, e apresenta uma pretensão. Há, em todo processo judicial, dois momentos: um material, em que são narrados fatos da natureza ou atos de pessoas e outro formal, em que são produzidas imputações jurídicas a serem utilizadas como fundamento para o acolhimento de pretensão.

No primeiro momento, o processo tem como matéria os dados do mundo natural veiculados na narrativa do autor, com o propósito de constituir a verdade do processo. No segundo, o processo tem como objeto o ato de inteligência que atribui sentido às relações jurídicas descritas na ação, ou à forma pela qual o direito objetivo deve atuar em face da narrativa do demandante.

Assim, tomando-se em consideração a amplitude da cognição judicial, é possível perceber a existência de duas fases ou etapas lineares, sequenciais, nos pronunciamentos dos juízes e tribunais, que são constitutivos das bases da racionalidade utilizada para legitimar a função de julgar. O primeiro, que examina e decide sobre a matéria do processo e o segundo, que atua sobre a forma da imputação quando o órgão julgador explicita os fundamentos jurídico-racionais utilizados para produzir o provimento de atuação do direito objetivo do Estado em face das partes do processo.

g)   Dos recursos ordinários e extraordinários

Os sistemas processuais tratam, de diferentes maneiras, a possibilidade de revisão das decisões de juízes e de tribunais no julgamento de demandas. No entanto, independentemente do modo de ordenação desses sistemas, em praticamente todos eles, há o direito da parte que for sucumbente em suas pretensões recorrer ordinariamente das sentenças que lhe forem desfavoráveis.

O direito de interpor recurso de decisões proferidas por juízes e tribunais no julgamento de demandas é resultado de um sistema que ficou conhecido como a garantia do duplo grau de jurisdição. Tal garantia assegura a todo litigante judicial o direito de recorrer de sentenças de primeiro grau, desfavoráveis aos seus interesses, simplesmente qualificando-as de ilegais ou de injustas.

Além da garantia ao duplo grau de jurisdição, há também a possibilidade da impugnação de decisões proferidas no julgamento dos recursos de natureza ordinária. Nesse caso, o recurso não é mais fundado na alegação de injustiça da decisão, mas no argumento de que o recurso visa assegurar a intangibilidade do direito objetivo do Estado.

No primeiro sistema, o âmbito recursal é de natureza ordinária[8], diz respeito ao direito subjetivo da parte e não há limites a respeito das matérias e dos temas que podem ser invocados para provocar novo julgamento. Já, no segundo, o âmbito da cognição é de natureza extraordinária[9], diz respeito ao direito objetivo do Estado e a possibilidade de revisão da decisão fica restrita apenas a temas que se referem à amplitude e ao alcance das disposições do direito que incidiram sobre os fatos tomados como matéria no processo.

h)     Processo e coisa julgada

Coisa julgada é uma qualidade que se agrega a todo o pronunciamento definitivo proferido por juízes e tribunais por meio de processos regulares a respeito de matérias em relação às quais não seja mais possível impugnar por meio de recurso. De todas as instituições produzidas no processo para legitimar o uso do poder de fato do Estado, nenhuma é mais importante do que a da coisa julgada. É dela que emanam os comandos que permitem o uso da força bruta na execução de decisões proferidas em processos regulares.

A coisa julgada é uma instituição de natureza ideológica, técnica e política. É ideológica porque dirige às partes e à sociedade um pronunciamento judicial com a qualidade de ser imutável. É técnica porque estabelece o exato momento em que  cessam os procedimentos de exame de demandas judiciais. Também é política porque encerra as atividades dos órgãos de Estado depois de serem definidas as posições subjetivas das partes em relação às pretensões e interesses em conflito, no âmbito do processo.

Embora possa parecer simples determinar o momento em que as decisões de juízes e de tribunais tornam-se definitivas, há casos em que essa questão oferece dificuldade. Como o processo, em sentido lato, é complexo de atos organizados no espaço que se desenvolve no tempo, um exame desatento poderia indicar que a coisa julgada ocorreria no instante imediatamente posterior ao do transcurso do prazo estabelecido em lei para a prática de ato com objetivo de impugnar as disposições de uma decisão judicial.

Todavia, o objeto do processo não se exaure apenas no exame das matérias veiculadas na pretensão do autor e nas exceções do réu. Ele é mais amplo do que isso. Do ponto de vista formal, por ser instrumento de poder do Estado, o processo tem a si mesmo como objeto e há exames que precisam ser feitos a respeito dos seus pressupostos e da sua constituição formal que estão de tal modo intrínsecos em sua substância que, havendo qualquer irregularidade em relação a eles, somente será possível tomar o processo como válido com a única finalidade de veicular a declaração da sua própria invalidade.

É o caso do requisito formal-substancial da investidura ou da capacidade subjetiva dos juízes. Em circunstâncias de serem instituídos tribunais de exceção, ou de o processo ser conduzido perante juízes subjetivamente engajados, comprometidos com o resultado da demanda, podem ter-se encerrado todos os prazos, ultrapassadas todas as fases, mesmo assim não será possível sustentar ter havido a coisa julgada no processo[10].

Esse requisito é de tal relevância que, mal comparando, a parcialidade do juiz equivaleria à construção de um edifício sem o alicerce. Nesse caso, por mais majestosa que seja a obra, não há como ela se sustentar, pois faltar-lhe-ia a base, o fundamento, e nada que possa vir de simulacro como esse pode ser tomado como válido.

Embora a noção de coisa julgada prescinda de definição legal, o legislador brasileiro buscou estabelecê-la. No Código de Processo Penal, “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso” (art. 6º, § 3º). No Código de processo civil, “denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso” (art. 502).

Como se constata tanto o Código de Processo Penal como o Código de Processo Civil denominam coisa julgada a decisão contra a qual não seja mais possível interpor recurso. Esses enunciados são diferentes do utilizado pelo código de Processo Civil de Alfredo Buzaid, que vigeu no Brasil entre 1973 e 2015, para o qual denomina-se “...coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

O CPC de 1973, diferentemente do que dispõe o código de processo civil atualmente em vigência, era explícito ao dispor que a coisa julgada somente ocorria quando houvesse o esgotamento dos recursos de natureza extraordinária.

i)        Coisa julgada material e coisa julgada formal

Nos sistemas que adotam o princípio do duplo grau de jurisdição para ordenar o sistema de impugnação de decisões judiciais, quando o juiz decide e o tribunal reexamina em recurso ordinário a narrativa utilizada na fundamentação da demanda, uma etapa importante do processo encerra em definitivo de modo a não mais permitir que as partes controvertam sobre os dados do mundo tomados na fundamentação da decisão judicial. Com isso, algo novo, significativo, surge no processo: a coisa julgada material.

A coisa julgada material é a parte da decisão que constitui a verdade do processo, uma ficção produzida racionalmente pelos juízes e por membros de tribunais ordinários, a partir dos documentos e das narrativas das pessoas que participam da relação processual. Isso serve como matéria para compor a primeira parte do silogismo utilizado pelo Estado na justificativa ideológica das decisões judiciais.

Embora a coisa julgada material encerre a discussão na demanda sobre os fatos, ela não põe fim ao processo. Nos casos em que houver recurso com objetivo de reexaminar a imputação jurídica da decisão, o processo se prolonga até que seja estabelecido, na demanda, e em definitivo, o âmbito de eficácia do direito objetivo do Estado.

Por isso, há necessidade de distinguir a coisa julgada material da coisa julgada formal, pois enquanto aquela é consequência de julgamento da matéria no recurso ordinário e é relativa aos dados do mundo da natureza, esta é o que resulta da decisão final a respeito da imputação jurídica produzida pelo juízo em relação aos dados do processo.

No primeiro caso, a decisão resolve em definitivo a controvérsia sobre fatos e, como o interesse tutelado é o direito subjetivo da parte, a coisa julgada ocorre depois de encerrada a oportunidade de reexame da decisão judicial em segundo grau de jurisdição[11]. No segundo, como a deliberação tem por escopo resolver questões relacionadas ao sistema normativo e ao direito objetivo do Estado, a coisa julgada formal somente se consolida quando forem encerradas as oportunidades recursais estabelecidas em lei para tratar desse tema.

j)      Considerações finais

Como pode ser constatado até aqui, coisa julgada material e coisa julgada formal não podem ser confundidas, pois são temas com objetos distintos. Uma diz respeito à matéria conhecida no processo e a outra ao percurso lógico-racional deduzido a partir do sistema jurídico, pelo juízo, para decidir a respeito da demanda no processo.

Portanto, embora haja relevantes razões para não serem executadas sentenças antes do encerramento do processo, é preciso reconhecer que ao cessar as oportunidades de controverter sobre os fatos que fundamentam as ações judiciais, a parte mais significativa da demanda chega ao fim. Desse momento em diante, as presunções de inocência do acusado, da ausência de culpa, de dolo, desaparecem e já não é mais possível negar, no processo, a base material que fundamenta a ação do Estado na persecução penal.

Por óbvio que, como ocorre em tudo o que envolve o homem, há situações excepcionais a serem consideradas, como os casos em que pendam recursos que digam respeito a fraudes processuais, dolo do julgador, entre outros, envolvendo as garantias em julgamentos e sobre a regularidade do processo judicial. Mas o certo é que a execução de sentença judicial, depois de encerradas as oportunidades recursais da instância ordinária, não ofende o que dispõe o art. 5º, LVII[12], da Constituição Federal, tendo em vista que, salvo os casos aqui registrados, a sentença penal condenatória transita materialmente em julgado logo após o julgamento do recurso de apelação.

 


[1]  Há de se examinar a natureza do fato típico, dos limites do poder estatal na qualificação das condutas antijurídicas e sobre as diferentes espécies de penas, mas o certo é que a criminologia, enquanto evolui para patamares aceitáveis de adequação social, precisa distinguir as sanções estabelecidas em razão de delitos que atentem contra a vida das pessoas, das aberrações culturais que normalmente são fundamentadas unicamente em noções de natureza moral.

[2]     Estado e seus órgãos, leis, processo, tudo são instituições do direito.

[3]  Todo o fato da objetividade que ingressa no âmbito da fenomenologia do direito como ato é porque existe algo na sua constituição que decorre da vontade humana.

[4]  Giessem, 1868.

[5]  Nenhum estudo de direito processual pode ser iniciado sem que seja demonstrado que todos os atos do processo devem, sempre, ser examinados tomando-se em consideração o fato de constituírem relações jurídicas entre os seus sujeitos e entre demais participantes dos procedimentos que promovem seu curso (testemunhas, peritos, serventuários, etc.). Isso é fundamental. Qualquer vício – ou defeito – na conformação dessas relações (jurídicas) afeta o processo todo (e por consequência os provimentos que a eles estejam relacionados).

[6]  Discussões posteriores aos estudos de Büllow apontam outros enfoques para o processo. Goldschmidt tomava-o em exame a partir da sua dinâmica. Para ele, a ação coloca o juiz em uma situação na qual necessariamente ele precisa despachar a petição inicial. Citado o réu, este fica submetido a um sistema de ônus no qual deve contestar a demanda, pois sua inércia significa aceitar a narrativa do autor. Assim, encadeando atos e fases, o processo avança no tempo até o trânsito em julgado da decisão que deve ser proferida pelo juiz depois de encerrado o contraditório. Já Guasp, imaginou ser possível estudá-lo apenas como uma instituição criada pelo Estado para resolução de conflitos. Há, também, quem o tratasse como um conjunto de formalidades a serem cumpridas em juízo até tornar possível o julgamento da demanda (entre nós, Alvaro de Oliveira).

[7]  Em uma República, nenhum poder é maior que o do juiz. Suas decisões são fundamentadas unicamente na palavra. Basta dizer-se convencido de algo verdadeiro e legal para legitimar-se a emitir provimentos tutelados pela força bruta do Estado.

[8]  Recurso de apelação nos processos civil, penal, eleitoral, militar e recurso ordinário no processo do trabalho.

[9]  Recurso extraordinário ao STF, recurso especial ao STJ, recursos de revista e de embargos ao TST, entre outros.

[10]             E nem processo. No caso do juiz parcial, ou que abandona o fundamento da sua investidura para tornar-se justiceiro, engajado.

[11]             Ciência é linguagem. Embora esteja consagrado o emprego da expressão “segunda instância”, que são diversas nos sistemas de organização piramidal do poder judiciário, trata-se de um erro grosseiro, pois confunde instância judicial com graus de jurisdição. Também, esperar o quê de uma época em que se usa, em todas as instâncias, e sem constrangimentos, inclusive em leis, expressões como “destrancar” ou “trancar” recursos!

[12]            Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.